A desembargadora Salete Silva Sommariva quer estudar com cuidado todo o processo que resultou na condenação do pedreiro Oscar Gonçalves do Rosário. Segundo a magistrada, a ação guarda muitas dúvidas e merece um estudo mais aprofundado. A desembargadora, personalidade reconhecida nos meios acadêmicos por sua defesa da humanização da justiça, pediu vistas no recurso de apelação em favor de Oscar, suspendendo o julgamento iniciado na última terça-feira (11) na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
A advogada Elizangela Asquel Loch, defensora de Oscar, sustentou aos magistrados do TJ que o cerne de todo o processo estava no laudo da necropsia. “Até o momento antecedente ao laudo da necropsia do caso em questão, tudo indicava que se tratava de um acidente”, afirmou a advogada. Elizangela Loch também alegou a falta de experiência, e a longa insistência da coordenadora do IML para que um médico ad doc [nomeado] fizesse o laudo cadavérico da menina. “Isso tudo acabou condenando um inocente a vinte anos de prisão. Devido ao referido laudo e à forte comoção social, o Conselho de Sentença acabou decidindo contrariamente às provas existentes nos autos”.
A defensora também lembrou aos desembargadores como a manifestação do Ministério Público ressaltou dois pretensos antecedentes de crimes sexuais atribuídos a Oscar. Ela citou cada um dos casos lembrando que quem os transformou em processo contra seu cliente foi justamente o delegado do caso em Joinville, que se abalou para Canoinhas criar os processos. “Será que em Canoinhas não havia delegado e Ministério Público com competência para fazer isso?”, questionou a advogada, colocando dúvidas nos pretensos antecedentes.
O relator do processo, desembargador Túlio Pinheiro, votou pela manutenção da decisão do Tribunal do Júri, que com quatro dos sete votos condenou Oscar a 20 anos de prisão. O desembargador fez uma análise técnica, ressaltando o que classificou como “a soberania do Tribunal do Júri”, deixou de lado a declaração da enfermeira Tânia Hack – que veio a público revelar que o médico que fez a perícia, além da falta de experiência não tinha condições de fazer o procedimento, e a declaração do próprio médico legista, que no Tribunal do Júri descartou o estrangulamento. “É um voto técnico”, reafirmou ao ser perguntado pelo também desembargador Irineu João da Silva, que o seguiu no voto.
Mas, a desembargadora Salete Silva Sommariva resolveu destoar da decisão puramente técnica e pediu vistas no processo. Ela elogiou o voto do colega desembargador, mas ressaltou que não poderia votar, confirmando a condenação de um homem a 20 anos de cadeia, fundamentando apenas em uma questão técnica. A desembargadora prometeu estudar o caso nas próximas duas semanas e retornar com um voto na sessão do dia 25 de novembro. Os dois desembargadores já votaram, mas reafirmaram ainda na sessão que, conforme o voto da magistrada de segundo grau, podem até reformar suas decisões.
“Koerich chegou falando arrastado”, diz testemunha
O médico que fez o laudo atestando que a pequena Gabrielli morreu vítima de estrangulamento com ruptura perianal chegou ao IML naquela tarde de sábado vindo de uma festa, com rosto muito vermelho, trêmulo e falando arrastado. Ele admitiu que não tinha condições para fazer o exame, e que só resolveu presenciar o procedimento e assinar o documento depois de muita insistência da chefe do instituto, a “doutora Rute”. A declaração assinada em cartório e juntada na apelação de Oscar no Tribunal de Justiça é da enfermeira Tânia Hack, funcionaria do Hospital Regional, cedida para trabalhar no IML e que estava presente durante a necropsia da menina naquele fatídico 3 de março de 2007. Foi ela quem telefonou para os quatro médicos credenciados pelo instituto, procurando sem sucesso um para fazer o procedimento.
Foi ela também quem tirou as fotos juntadas no processo e que, inclusive, ainda pela manhã daquele dia, antes mesmo de qualquer laudo ser feito, atendeu ao telefonema de radialistas que queriam saber detalhes da menina “estuprada”.
Tânia Hack disse que queria muito falar o que sabia sobre o caso e de sua certeza de que não poderia ter acontecido com aquela menina o crime como foi relatado pela polícia. “Quando soube da prisão do pedreiro pensei em procurar a polícia para declarar o que vi, mas fiquei com medo pelo meu emprego (porque estaria contrariando a chefia do IML). E eu acreditava que o Oscar seria inocentado sem precisar de minha intervenção. Mas, quando soube da condenação, fiquei intranqüila e resolvi procurar a advogada”, revelou, insistindo que desde a condenação do pedreiro não conseguia dormir tranqüila.
Técnica do IML garante que Gabrielli não sofreu nenhuma violência sexual
Toda a seqüência de erros, equívocos e lances de oportunismos que resultaram em uma investigação policial equivocada e um processo com resultado injusto começou no laudo pericial feito por um médico que não era legista, que nunca havia realizado um laudo necroscópico, sem experiência alguma em medicina legal e que examinou o corpo de Gabrieli mandou um homem para cadeia pelos próximos 20 anos. “Mas ele (João Koerich) só aceitou assinar o laudo depois de muita insistência. Segundo Tânia Hack, quando ele chegou, a primeira coisa que disse foi que não tinha condições de fazer a necropsia; ele estava trêmulo suado, demonstrando cansaço. Então, eu, dona Rute e o médico ficamos olhando um para cara do outro sem saber quem ia abrir a menina. Em seguida, foram buscar o técnico em necropsia, o Edson para proceder o trabalho”, relatou.
E a enfermeira insiste que a menina não sofreu violência sexual. “Nós conferimos a vagina da menina, estava íntegra, sem qualquer lesão; havia fezes, mas o ânus também estava perfeito; não tinha esganadura, apenas manchas”, descreveu insistindo também que: “abriram o tórax, viram que os pulmões estavam cheios de água; abriram a traquéia e confirmaram que não houve esganadura”, insistiu, e relatou ainda que, à medida que era feito o procedimento, tirou aproximadamente 12 fotos, recolheu amostras do ânus, secreção da vagina e de sangue, que foram remetidos na segunda-feira seguinte, pelas mãos da dona Rute, para exames apropriados no Instituto Geral de Perícias em Florianópolis. Ela também disse que o técnico em necropsia digitou o laudo enquanto a dona Rute ditava. “Por vezes, dona Rute perguntou ao médico João Koerich e ele respondia para ela fazer do jeito dela, que, tecnicamente, ele nada entendia do laudo necroscópico”, lembra a enfermeira.
As declarações de Tânia Hack foram gravadas e reduzidas a termo em um documento registrado em cartório. Ela se dispôs a repetir tudo se for chamada em juízo.
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