Enforcamento com lençol de Luciano de Oliveira foi por grave negligência

Após três dias de silêncio sepulcral, apenas uma versão extremamente lacônica para as circunstâncias que levaram ao assassinato do monitor do Centro de Internação Provisória de Joinville (CIP), Luciano Carlos de Oliveira, 43 anos.

Antes da aparição do responsável pelo CIP, Christian Gevaerd Ocker, profissionais da imprensa local encontraram somente atitudes pouco amigáveis dos monitores que cuidavam do estabelecimento. Em uma demonstração que apontou total despreparo, expulsaram aos gritos e sob ameaças a imprensa na manhã da última segunda-feira, dia 20. Nem mesmo o nome do responsável pelo CIP foi fornecido.

A atitude desses funcionários contratados através de um convênio entre a Secretaria de Segurança Pública e uma ONG levantou ainda mais dúvidas sobre o caso. Segundo informações repassadas pela polícia, Luciano foi atacado e assassinado por volta das 22 horas do último sábado, dia 18, pelo menor J.A.M., infrator de alta periculosidade.

O monitor cumpria a rotina de acompanhar individualmente os menores ao banheiro. Luciano foi enforcado e asfixiado com um lençol pelo menor.

Sem treinamento adequado e com carga horária elevada

O expediente de Luciano, que iniciou às 8 horas da manhã de sábado, deveria se encerrar às 20 horas do mesmo dia, no entanto, uma inusitada mudança no plantão fez com que o monitor telefonasse aos familiares informando que teria que ficar no CIP, pois o funcionário que o substituiria não iria trabalhar naquela noite devido a uma festa com familiares.

Duas horas depois, Luciano era brutalmente assassinado. Naquela noite, ele era o único monitor no interior do CIP. Segundo informações, um policial militar chegou a ver o monitor se debatendo, mas, nada pôde fazer para socorre-lo. Os policiais não têm acesso ao interior da instituição penal.

Familiares revelaram que Luciano foi contratado pela Associação para Recuperação de Alcoólatras e Toxicômanos Opção de Vida, que é responsável pela administração do CIP. De acordo com Christian Gevaerd Ocker, presidente da associação, o dinheiro para contratar os monitores é oriundo da Secretaria de Segurança Pública, e os monitores admitidos não recebem nenhum treinamento.

Na segunda-feira, dia 20, Christian falou rapidamente por telefone com a reportagem da Gazeta de Joinville. "Esse menor não era de alta periculosidade", arriscou Christian, aparentando desconhecimento dos internos que estão sob sua responsabilidade. O menor é acusado de dois homicídios, um deles do próprio padrasto e possui inúmeras passagens pela polícia. Com uma ficha policial capaz de intimidar muitos criminosos adultos, o menor é acusado de ter cometido dois homicídios. Luciano foi a terceira vitima.

O contrato firmado entre a associação e Luciano estipulava seu expediente apenas para o período diurno, portanto, ele não poderia estar prestando serviço naquele horário e muito menos ser submetido a mais de 12 horas de trabalho. O monitor, como já havia descrito Christian, não passou por qualquer treinamento para assumir sua função.

Namorada de acusado é autora do rapto de um bebê

O menor J.A.M., acusado da morte de Luciano, namorava a adolescente F.L.M.M., que também era interna do CIP. Porém, ela já havia cumprido sua pena e liberada. Em depoimento à polícia, o menor demonstrou frieza ao dizer que se fosse necessário faria tudo novamente. A versão fornecida pelo menor que o monitor teria xingado sua namorada se contradiz com as circunstâncias relatadas pelo responsável do CIP.

A namorada de J.A.M é a autora do rapto de um bebê, ocorrido na manhã da última sexta-feira, dia 18. O bebê e a adolescente ainda não foram localizados. A atitude extrema da menor tinha como objetivo seu retorno para o CIP para ficar em companhia do namorado. Segundo algumas informações, a menor foi vista em São José, na Grande Florianópolis. Provavelmente à procura de J.A.M., que depois de cometer o crime foi transferido para a Capital.

Uma adoção de risco

Deibi Regina da Silva Cavalheiro, técnica em meio ambiente, 37 anos, realiza um trabalho social junto a um abrigo para menores. Por intermédio de outro menor, ela conheceu J.A.M.
A mulher conta que J.A.M chegou a morar em sua casa. "A rotina dele era de idas e vindas entre o abrigo e minha casa. Porém, ele começou a aprontar e como castigo ele não podia vir para a minha casa", relatou Deibi.

Depois disso, a técnica alegou que perdeu o contato com o garoto. Entretanto, no dia 5 de fevereiro desse ano, o adolescente voltou a procurá-la. Dessa vez, o menor apareceu na companhia da menor F.L.M.M, 16 anos. Novamente J.A.M solicitou à técnica abrigo em sua casa e contou que sua namorada estava grávida e o abrigo onde estavam os tinha separado.
Antes de permitir que o casal ficasse em sua casa, Deibi procurou o Fórum de Joinville. Lá, foi informada de que a adolescente já havia sofrido dois abortos e que o menor respondia a uma tentativa de homicídio ocasionada por uma briga.

De posse da guarda provisória, a técnica permitiu que o casal morasse em sua casa. Dias depois, os dois fugiram e Deibi foi ao Fórum pedir a baixa nos documentos da guarda provisória. Mas o menor voltou a ligar para ela em março, alegando que sua namorada seria transferida para o município gaúcho de Uruguaiana. "Eu disse a ele que o que eu podia fazer por eles eu já havia feito. Então, ele desligou o telefone na minha cara".

Deibi conta que dias depois ela teve notícias de J.A.M pela TV. "Passaram alguns dias e eu soube que ele havia cometido um assalto contra um menor no Shopping Cidade das Flores". Sobre os outros homicídios cometidos por J.A.M, Deibi disse que não tinha conhecimento. "Eu fiquei muito abalada quando descobri que existiam esses homicídios praticados por ele. No dia 27 de fevereiro J.A.M completou 17 anos, e eu fiz um bolo pra ele aqui na minha casa. E ela, irá completar 17 anos no dia 15 de junho".

Deibi afirma que o serviço de assistência social do Fórum de Joinville cometeu um grande erro em não avisá-la sobre os riscos quando solicitou a adoção provisória. "Ele aparentemente não apresentava perigo, no entanto, demonstrava ser uma pessoa fria. Se no Fórum tivessem me alertado sobre os crimes, eu jamais teria posto meus filhos na convivência com uma pessoa dessa". A técnica, bastante assustada, criticou o serviço social do Fórum. "Eu conheci ele através de assistentes sociais que trabalham no abrigo. Agora eu fico pensando: eles permitiram que a vida da minha família corresse um grande risco".

ENTREVISTA • Christian Gevaerd Ocker

Na tarde do último dia 21, o presidente da ONG Associação para Recuperação de Alcoólatras e Toxicômanos Opção de Vida, Christian Gevaerd Ocker, concedeu entrevista para a Gazeta de Joinville.

Como funciona essa parceria com a SSP?
Na verdade, nós prestamos um serviço terceirizado desde janeiro de 2006. Nós temos um convênio desde janeiro e o monitor Luciano estava trabalhando com a gente há dois meses.

Ele não recebia nenhum tipo de treinamento?
Da Secretaria de Segurança, não. Ele recebeu o nosso treinamento.

Em que consiste esse treinamento?
Existe um livreto. Um manual de normas. Ali tem os procedimentos de entrada dos adolescentes, os procedimentos de saída e as normas de segurança adotadas lá dentro e fora do CIP. A condução deles até o Fórum também é feita por nós.

Vocês fazem esse deslocamento fora do CIP?
Sim. Com uma viatura cedida pela SSP.

Especificamente no procedimento de conduzir o menor até o banheiro, o menor vai sem qualquer tipo de equipamento que ofereça segurança ao monitor, como algemas ou marcapasso?
Ele vai livre porque ele está dentro da unidade. Ele não tem como escapar.

No sábado a noite, além do Luciano, havia outro monitor?
Tinha só um policial. Quando chega o monitor da noite, os menores já estão em seus quartos. A função dele é simplesmente levá-los ao banheiro. Se alguém passar mal, ele chama o Samu e acompanha os médicos até o quarto do adolescente. Esses são os procedimentos que eles fazem à noite. Os dois monitores que antecedem os monitores da noite é que encaminham os menores aos seus quartos.

Como é feita a contratação dos monitores?
Eles fazem a ficha e passam por um exame com a psicóloga e através de um teste é verificado se ele tem o perfil ou não. As pessoas estão questionando muito por que eles não são capacitados para a função. Mas o fato que eles não são seguranças, eles são educadores sociais.

Mas são educadores sociais que estão trabalhando com adolescentes de alta periculosidade?
Só que eles estão amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Eles sabem mais sobre o ECA do que o juiz, sabem sobre o direito deles. Só não sabem os deveres deles.

Não existe uma forma de não se violar o estatuto e ao mesmo tempo preservar a segurança dos monitores?
É isso que a gente faz. O nosso CIP é tranqüilo. Em quase três anos que a gente está lá nunca tivemos um incidente de rebelião. Isso foi um fato isolado. Mas, independente de o monitor ter uma capacitação, o adolescente tinha a vontade e o desejo de matar.

Um curso de defesa pessoal não poderia ter evitado isso? O que chama a atenção é que um único adolescente conseguiu seu objetivo de matar um monitor...
É isso que nos chama a atenção também. Por isso vai ser aberta uma sindicância. Tanto pela Secretaria quanto pelo Poder Judiciário para verificar onde ocorreu a falha. Agora não podemos dizer de quem foi a falha. Temos que apurar os fatos.

E os candidatos às vagas de monitor são oriundos de onde? Como é feita a captação?
Como a maioria de nossos monitores trabalha com segurança privada, geralmente eles têm uma pessoa que tem o conhecimento da vaga e acabam sendo chamados. E nós fizemos uma seleção.

Mas, esse não foi o caso do Luciano?
Sim, foi. Ele passou por todos os testes da psicóloga e foi contratado.

Mas ele foi indicação de alguém?
Isso eu não sei informar.

Você sabe o motivo que levou esse adolescente a cometer esse ato extremo?
Ele alega que o monitor xingou a mulher dele. Mas, conhecendo o Luciano a gente sabe que se trata de uma mentira.

O motivo não poderia ser uma tentativa de fuga?
O que aconteceu foi o seguinte: De acordo com o pessoal do CIP, depois que o adolescente matou o monitor, ele pegou a chave dos quartos e foi de quarto em quarto perguntando quem queria fugir. Ninguém quis fugir. Nesse momento, ele percebeu que o policial havia percebido algo irregular. Provavelmente, ele começou a ouvir o barulho das viaturas subirem e retornou ao quarto e, por uma pequena abertura que existe na porta, travou seu cadeado. Se alguém entrasse no CIP naquele momento, iria apenas ver o monitor morto e os adolescentes trancados. Os outros menores disseram que foi o J.A.M, e o menor acabou confessando. O policial, que percebeu a luta do lado de fora, não conseguiu identificar porque somente aparecia as mãos do menor brigando com o monitor.

Como é que são as portas desses quartos?
São portas de ferro extremamente pesadas e seguras.

São grades?
Não. São portas fechadas. Apenas com uma pequena abertura.

Quer dizer que o monitor ao abrir a porta não pode ver se o menor detido possui algum objeto nas mãos quando vai sair?
Não. Não tem como ver o que ele tem na mão. Nós chegamos à conclusão que no momento em que o Luciano abriu a porta, o adolescente empurrou ele com o peso da mesma e em seguida usou o lençol para pegar o pescoço dele.

Esse rapaz é o namorado da menor que está envolvida no seqüestro de um bebê?
Isso mesmo. É namorado da menina que seqüestrou a criança.

O sequestro que essa menor está envolvida seria uma tentativa dela voltar ao CIP para ficar junto do namorado?
Foi o que eu ouvi. Mas não posso afirmar se isso é verdade. A informação que se tem é que ela estava em São José, atrás do namorado que foi transferido para lá. Não é um fato confirmado ainda.

O Luciano tinha um contrato com a Opção de Vida?
Sim, ele tinha um contrato com a gente. Todos os nossos funcionários têm um seguro de vida que cobre auxílio funeral e mais uma indenização.

Quantos monitores trabalham no CIP?
São seis monitores e um supervisor.

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