Em Joinville, como nas demais cidades brasileiras, a droga disseminou-se de forma devastadora. Usuários têm vida reduzida e na sua maioria mal chegam a completar 30 anos
Os pés descalços, as mãos queimadas e calejadas, o estado de indigência, o envolvimento no mundo do crime e a curta expectativa de vida. Essas são algumas características de quem cai no vício do crack – classificado como a pedra da morte – para alguns.
Difícil não associar o consumo de crack a um caminho sem volta. O crack é a droga de maior poder de destruição atualmente, facilmente encontrada e disseminada entre a população de baixa renda do país.
A droga é derivada da planta de coca, produzida do que sobra do refinamento da cocaína ou da pasta não refinada misturada com bicarbonato de sódio e água. O bicarbonato de sódio torna possível a queima da droga com o auxílio de cinzas de cigarro ou cigarro de maconha, colocadas junto ao crack no cachimbo ou improvisadas em latinhas de bebida.
O consumo de crack causa destruição dos neurônios e provoca a degeneração dos músculos do corpo, o que dá uma aparência esquelética ao usuário: ossos da face salientes, braços e pernas finos e costelas aparentes. O crack eleva a temperatura corporal, podendo provocar acidente vascular cerebral. São comuns relatos de usuários que vêm a óbito depois de fazer uso da droga, associando-a com bebidas alcoólicas.
Em Joinville, como nos demais municípios brasileiros, a droga – que chegou ao país em meados dos anos 90 - disseminou-se de forma devastadora. Como no resto do país, o consumo deste tipo de entorpecente é associado à maioria dos casos envolvendo homicídios e outros crimes, destruindo famílias e reduzindo a expectativa de vida de muitos jovens, que na sua maioria morrem antes de completar 30 anos, seja por overdose, por assassinato praticado por traficante ou em confrontos com a policia após envolvimento com o crime.
Avanço do crack tem relação direta com aumento de homicídios e crimes
O abalo psicológico e os gastos necessários para manutenção do vício são dois elementos do consumo do crack que potencializam o flerte do usuário com as ações criminosas. A maior parte dos usuários são jovens de classes sociais mais baixas, segundo o coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Luis Sapori. "Isso gera um tipo de violência mais intensiva, consistente e perversa do que a cocaína e a maconha."
O psiquiatra Félix Kessler, que realiza pesquisas sobre o consumo de crack no Rio Grande do Sul, confirma a relação preocupante entre o consumo de crack e a violência. "Os danos familiares, sociais e profissionais que essa droga causa, a violência que ela gera, levando às vezes o indivíduo para a criminalidade, preocupam muito. Os pacientes se tornam mais agressivos e, no desespero do uso da droga, temos visto meninos indo para criminalidade e meninas se prostituindo em troca da pedra", relata Kessler.
"O problema da disponibilidade de armas junto com o crack, nas áreas pobres, é muito grave. Não é só o crime contra a propriedade, mas o crime contra a vida. A combinação destes elementos é explosiva", ressalta o coordenador do Núcleo de Pesquisa em Criminalidade, Violência e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), José Luiz Ratton.
A obsessão pelo consumo gerada pelo crack também preocupa policiais. "O usuário do crack faz o que for possível para comprar a droga. A droga domina o ser humano de uma forma que ele está pouco ligando se vai ser preso. Se não tiver uma repressão muito forte, repercute principalmente nos crimes contra o patrimônio", diz o chefe da Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil do Distrito Federal, delegado João Emílio de Oliveira.
É possível vencer o crack
É possível, sim, se livrar do vício do crack e dar a volta por cima. A prova vem do coordenador do Centro Terapêutico Vale da Luz, Neri Pauli Nunes, 38 anos. Há cerca de dois anos era fácil encontrá-lo pelas ruas centrais de Joinvile pedindo esmolas para sustentar o seu vicio.
Totalmente recuperado, Neri hoje é exemplo para os "alunos" – como são chamados os internos do centro. Sem nenhum tipo de constrangimento em tratar do assunto, de forma esclarecedora, ele confessou que o crack o havia levado ao fundo do poço, mas foi justamente a consciência de chegar a um beco sem saída que fez com que ele pedisse ajuda.
O retrospecto de Neri é típico de qualquer jovem que é apresentado ao perigoso mundo das drogas. Natural de Catanduvas (PR) e filho de agricultores, a família se mudou para Joinville em 1987, quando Neri tinha 16 anos.
"Eu fiz muitas amizades rapidamente e através dessas amizades que aos 17 anos entrei no mundo das drogas", comentou. Ele lembra que começou com o álcool, na seqüência foi a cocaína", conta. Neri ressalta que nessa época, trabalhava e sustentava o seu vício com seu salário.
Ainda aos 18 anos, casou e teve filhos. O casamento não foi suficiente para acabar com seu vicio. Gastava grande parte do salário com drogas, tinha comportamento agressivo e passou a desprezar os conselhos dos pais.
Fila aumenta a cada dia
O presidente do Centro Terapêutico Vale da Luz, Gilmar Francisco Cabral, afirma que a fila para novos atendimentos é grande e aumenta a cada dia. "O crack é realmente um caso de saúde pública e de segurança pública. Muitos jovens morrem por não terem acesso a tratamentos", afirma.
Segundo Cabral, os relatos são dramáticos. "Alguns chegam aqui chorando, dizendo que estão no fundo do poço. Semana passada, ouvi um testemunho de um rapaz que disse que se ele ficasse mais um dia na rua, iria ser morto. Ele implorou para ser internado. Acredito que falta mais apoio dos governos e uma campanha permanente de prevenção nos meios de comunicação", comenta.
O Centro Terapêutico Vale da Luz localiza-se na Estrada Salto 1, no bairro Vila Nova, e abriga cerca de 25 alunos e destina oito vagas a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A duração média de cada tratamento é de cerca de nove meses. "O primeiro mês é o mais crítico para o aluno. Muitos têm crise de abstinência. Aí entra o trabalho de orientação espiritual", complementa o coordenador Neri Pauli Nunes.
Um caminho sem volta
Em 2002, um colega abriu as portas para um caminho quase sem volta: o crack. Neri lembra que em apenas um mês de uso, a nova droga havia virado sua vida de cabeça para baixo. Ele perdera o casamento e o emprego, perambulava pelas ruas e, em poucos dias, estava pedindo esmolas e dormindo em construções.
"O crack é uma droga terrível, cheguei a ficar 15 dias acordado e sem comer, emagreci tanto que sofri preconceito por acharem que eu estava com HIV. Mas eu nem dava bola para isso, não tinha mais controle sobre mim. A droga rouba todo o seu sentimento", completa.
No momento mais dramático de sua vida, Neri comenta que chegou a praticar crimes para satisfazer seu vício. Foi em uma audiência na Justiça que ele sentiu que precisava mudar de rumo. O juiz, segundo ele, havia comentado que o crack era um caminho sem volta e que dificilmente alguém teria recuperação.
"Quando ouvi aquilo, senti que era o momento de provar a mim mesmo que conseguiria parar. Tive humildade, pedi ajuda e através do Projeto Sentinela, fui encaminhado para tratamento aqui no Centro Terapêutico Vale da Luz. Hoje em dia sou outro homem, dou valor à vida e ajudo outras pessoas a largar o vício das drogas", afirma.
Amigos são a principal porta de entrada
Existe uma porta de entrada para todos os lugares e essa porta de entrada é aberta sempre pelo melhor amigo. "Se um estranho oferece algo a você, a tendência é de rejeitar, mas quando a oferta parte de seu amigo, aceitamos com mais facilidade". Esse é o pensamento do coordenador do Centro Terapêutico Vale da Luz, Neri Pauli Nunes.
Ele faz um alerta aos pais para acompanharem mais de perto quem são as pessoas que fazem parte do círculo de amizade dos filhos. "Geralmente é na escola que tudo começa. Os pais têm que estar mais conscientes, mais presentes na vida dos filhos, para evitar que eles tenham contato com as drogas. "As conversas devem ser francas sobre o assunto. A família tem que dialogar. Se não houver diálogo, muitos jovens vão procurar respostas nas ruas. É aí que mora o perigo", afirma.
A terapeuta educacional Aniara Lennert constata que a dependência química está chegando cada vez mais cedo. "Prevenção nunca é demais", afirma. Nos dois encontros semanais com os alunos do centro, ela trabalha a conscientização. "Não sabemos todas as respostas, por isso também aprendemos muitos com os alunos daqui. Nós sabemos apenas na teoria, eles sabem na prática", afirma.
Aniara ressalta que a dependência química é uma doença progressiva, que pode ser fatal. "A dependência química marginaliza a pessoa e como doença ela deve ser tratada", finaliza.
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