As doenças infecciosas são muito mais antigas do que se pensava. Dizia-se que haviam surgido há 10 mil anos com a agricultura, quando os primeiros aglomerados humanos teriam criado as condições para a transmissão de germes entre as pessoas e os animais de criação.
Com o advento das técnicas de manipulação do material genético da célula, desenvolvidas a partir da década de 1980, no entanto, foi possível demonstrar que muitos microorganismos causadores de doença já infernizavam nossos antepassados há milhões de anos.
Por meio da tecnologia atual, tem sido possível colher e multiplicar os genes dos germes presentes em fósseis humanos preservados por milhares de anos sob a neve, em múmias egípcias, isolar o vírus da gripe espanhola numa pessoa que morreu da epidemia ou recuperar uma amostra da bactéria causadora da peste negra do interior dos dentes de dois homens que morreram na epidemia do século XIV, como fizeram pesquisadores franceses em 2.000.
Recolhidos os germes, técnicas especiais permitem extrair deles o DNA, o material genético, e fazer estimativas relativamente precisas de quando aquela espécie surgiu na face da Terra. Carl Zimmer, um dos mais respeitados escritores de ciência na área da evolução das espécies, escreveu para a revista “Science” uma revisão das últimas descobertas nesse campo.
Nela, ele diz que o tripanossoma causador da doença do sono transmitida pela mosca tsé-tsé, que infecta 2 milhões de africanos e mata 300 mil deles anualmente, é parente próximo de dois protozoários causadores de doença: o Trypanosoma cruzi, responsável pelo mal de Chagas brasileiro, e um tripanossoma que infecta o canguru, na Austrália. Os três tripanossomas são filhos de um mesmo ancestral que viveu há 100 milhões de anos, quando as terras da África, América do Sul e Austrália formavam unidas um supercontinente.
A peste bubônica que se espalhou pela Europa no ano de 542 matou 1 milhão de pessoas no Império Romano; em Constantinopla, morreram 40% da população. Depois de pequenas tentativas malsucedidas de voltar, a doença retornou com tudo, em 1347. Foi uma epidemia devastadora, matou um terço dos europeus. Era chamada de morte negra. A reconstrução da árvore genealógica do agente da peste (Y. pestis) mostrou que essa bactéria surgiu de 1.500 a 20.500 anos atrás, descendente de uma ancestral menos virulenta que infecta carneiros até hoje.
O agente da malária inicialmente atacava apenas macacos do sudeste asiático. Depois de várias tentativas de penetração no reservatório humano, o parasita finalmente se estabeleceu entre os hominídeos que viveram há cerca de 1 milhão de anos.
Os homens de Colombo trouxeram a sífilis para os índios ou levaram o treponema daqui para a Europa na viagem de volta? Essa dúvida provocou muito debate científico. Estudos mais antigos, baseados na presença de alterações sifilíticas nos ossos de índios pré-colombianos e na evidência das mesmas alterações em esqueletos de europeus que viveram no período pós-colombiano, faziam supor que a sífilis já era epidêmica nas Américas quando os europeus chegaram.
Nos últimos anos, entretanto, ao escavar um monastério inglês, pesquisadores da Universidade de Bradford, na Inglaterra, encontraram sinais de sífilis nos ossos de dois monges que viveram entre 1300 e 1450. É provável que os religiosos tenham sido infectados bem antes do descobrimento da América.
No ano passado, pesquisadores americanos da Universidade de Ohio descreveram sinais de sífilis em esqueletos recolhidos de várias localidades há 1.200 anos, sugestivos de que a sífilis esteve presente em diversas regiões da Terra ao mesmo tempo. O seqüenciamento dos genes do treponema da sífilis colhido nos cinco continentes permitirá reconstituir a árvore genealógica da bactéria.
Sempre se acreditou que vermes intestinais como a tênia (solitária) haviam sido transmitidos para homens e mulheres com a domesticação do gado e dos porcos. Num trabalho publicado em abril de 2.001, no entanto, pesquisadores do departamento de agricultura americano demonstraram que os ancestrais mais próximos da tênia atual tinham quase 1 milhão de anos e não infectavam porcos nem bois: foram encontrados nos intestinos de antílopes e de seus eternos caçadores: leões e hienas. Ao abandonarem a monotonia da dieta vegetariana, os primeiros hominídeos teriam se infestado na disputa pelas carcaças desses animais, centenas de milhares de anos antes de criarem porcos ou bois, animais que foram infestados muito mais tarde pelas fezes humanas.
No ano passado, um grupo da Universidade do Alabama publicou na “Science” um estudo genético do HIV-1, o vírus da Aids. O seqüenciamento dos nove genes que constituem o HIV sugere que o vírus se originou nos chimpanzés e infectou os primeiros africanos ao redor de 1930. Ao saltar a barreira para a espécie humana, o HIV-1 foi obrigado a sofrer mutações para se adaptar ao novo hospedeiro. A análise dessas mutações explica porque o chimpanzé se infecta, mas não desenvolve Aids, enquanto nós podemos morrer pela doença.
Bactérias e vírus já existiam há bilhões de anos quando os primeiros hominídios desceram das árvores africanas, a meros 5 milhões de anos. Não foram eles os invasores, nós é que aparecemos na biosfera deles. Nosso sucesso ecológico foi a estratégia de desenvolver mecanismos imunológicos de alta complexidade para nos defender. O deles é sofrer mutações com a finalidade de criar fatores de virulência capazes de ludibriar nossas defesas, seqüestrar os nutrientes necessários e cumprir o mandamento supremo da vida, onde quer que ela exista: crescei e multiplicai-vos.
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