ITINGA: ‘Caminho das praias’ quer se livrar de estigma violento

Dinilson Vieira
dinilson@gazetadejoinville.com.br

Localizado no extremo sul de Joinville, já na divisa com Araquari, o Itinga saiu do anonimato recentemente para ganhar as manchetes policiais. O motivo foi o encontro de um corpo humano carbonizado no porta-malas de um carro, abandonado numa picada da rua Ronco D’Água. Para quem não é do bairro, o crime foi apenas mais um para engordar as estatísticas, mas uma notícia destas sempre entristece moradores como Raquel Mostelini Ricardo, que costuma dedicar boa parte do tempo para tentar livrar o Itinga do estigma de que só serve para oferecer ao joinvilense o principal caminho para levar às belas praias de São Francisco do Sul e Barra do Sul ou de lugar onde vez ou outra se desova um cadáver em locais ermos. “Nosso bairro tem problemas, mas também há coisas boas acontecendo”, afirma Raquel.

Aglomerado urbano
Cortado ao meio pela avenida Waldemiro José Borges, que mais à frente se transforma na rodovia SC-301 (vias interligadas conhecidas como o “caminho das praias”), o Itinga já foi um dos maiores polos produtores de arroz da região, para nos anos 1980 entrar em declínio e se transformar num desorganizado aglomerado urbano dentro da cidade. “Infelizmente a gente só fica conhecido quando acontece o que não presta”, diz Raquel, gerente da Associação de Moradores do Bairro Itinga (Amorabi), entidade criada há mais de 20 anos e que oferece à população atividades culturais gratuitas, entre as quais cursos de teatro e dança, além de uma creche.

Ruas de saibro e esgoto a céu aberto

O território de 7,9 quilômetros quadrados do bairro concentra nada menos que 144 vias de diferentes tamanhos, mas com um ponto comum entre a maioria: não têm asfalto e nem rede oficial de coleta de esgoto – a sujeira das casas cai direto em valas e rios. A dona de casa Darci Mendes, moradora da rua João Zacarias Gonçalves, mede as palavras antes de se referir ao bairro: “Adoro morar aqui, não quero me mudar, mas quando o ônibus passa, minha casa estremece e tem motorista que invade a calçada para fugir dos buracos”.

No outro lado do bairro os problemas persistem. Alunos da escola municipal Lacy Luiza da Cruz Flores, os amigos Carlos Eduardo Jacinto, 11 anos, e Jean de Jesus, 10, lamentam o estado em que fica a rua em que moram quando chove. A via em questão é a Alfredo Hille, onde os buracos e lama acabam fazendo com que cheguem sujos à escola. “Não tem jeito de chegar de sapatos limpos por causa de tanto barro”, diz Carlos. “A gente precisa de calçadas”, completa Jean.

Além da falta de pavimentação, quem mora na rua Alfredo Hille e adjacentes como a Ewaldo G. Kruger sofre com constantes cortes no fornecimento de água. “Acontece todos os dias: a água chega meia noite, uma da madrugada e acaba de manhã. Mas a conta chega todos os meses”, afirma Luciano Ramos, que mora no bairro há apenas dois meses.

A Secretaria Regional do Boehmerwald, unidade administrativa que cuida do Itinga, não tem previsão de asfalto novo para o bairro. “O que temos é a construção da rede de água pluvial para alguns trechos de ruas como a Arnaldo Tenn e Alfredo Hille, que sofrem com enchentes”, explica o secretário Paulo Roberto Rodrigues. Paulo acrescentou que o bairro deverá ganhar neste ano uma academia da melhor idade em terreno vizinho à sede da Associação de Moradores, na rua dos Esportistas. Já a Companhia Águas de Joinville confirmou que o bairro não possui coleta de esgoto.

Associação se distancia de moradores

Associação de moradores mais antiga em atividade no Itinga, a Amorabi acabou se distanciando da população local porque as atividades que buscavam melhorias para o bairro começaram a ganhar uma conotação política exagerada. “Quando entra política no meio fica complicado. Somos apartidários. No começo, nosso envolvimento era para resolver problemas como valas a céu aberto, ônibus. Então surgiram outras associações de moradores oportunistas e nos afastamos”, afirmou Renato Tomelin, vice-presidente da Amorabi.

Segundo Renato, a oportunidade de abrir uma creche na associação sacramentou a mudança de perfil da entidade. Atualmente, a associação trabalha com 165 crianças, desenvolvendo atividades pedagógicas dentro dos padrões da Secretaria Municipal de Educação. De cada criança que permanece período integral na creche, com direito a quatro refeições diárias, é cobrado uma taxa mensal de R$ 110,00. Meio período custa R$ 60,00. A secretaria também repassa verba para a creche se manter.

“As crianças adoram ficar aqui”, diz a supervisora Raquel Mostelini. “Trabalhamos com crianças e damos suporte cultural aos moradores, mas se formos procurados para tentar resolver algum problema coletivo no bairro não vamos nos omitir. O caso é que para estas coisas não há interesse da própria população”, completou Renato. A associação é aberta a toda a comunidade, segundo sua diretoria.

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